terça-feira, 7 de outubro de 2008

Dunas Cruz e Sousa

Para pintar Cruz e Sousa,
duas cores: preto e branco.

Para abrigar Cruz e Sousa,
duas pontes: dia e noite.

Para negar Cruz e Sousa,
duas fontes: ouro e ferro.

Retratos de um negro
na parede alva,
moldura em cera,
figura a macabra cena:
banquete de migalhas, poemas.

Na corte esplendorosa,
de sangue azul, verde e amarelo,
um escravo das letras cor de fome.

Que ousadia, este tolo é fértil.
E te roubo até os pensamentos.
Matei o poeta, então durmo com ele,
núpcias eternas em belo palácio.

“Eu só queria castelos de areia,
um caldeirão fervilhando,
ora feijão, ora versos.

Um canto quente de amor...
Gavita, grávida, linda,
crianças sorrindo e tudo belo.

Por que não me cortaram as mãos,
ou me mandaram às canas,
puxar carroças que levam gente?

Ah! Este brilho nos olhos que me devora.
Que a pena no tinteiro não me falte agora.

Peguem meu corpo, meu nome,
encham-se de glória.
Deixem-me sobre a areia, nômade,

ventos, tempestades, versos,
dunas Cruz e Sousa entre tantos tortos,
milhares de poetas
mortos...”

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